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Quando tinha 19 anos, fiz um estágio em uma fazenda de orgânicos da rede WWOOF, no País de Gales. Era um lugar muito legal, onde eu e meu amigo Rafa morávamos em um trailer. Lá, ofereciam café da manhã, almoço e janta, e, em troca, ajudávamos nas coisas que precisavam. Cuidamos de ovelhas, pintamos, arrumamos galpões e até refizemos a fundação de uma antiga casa de pedras de mais de 500 anos.


Nosso estágio estava no fim, nosso dinheiro acabando e não sabíamos como fazer para continuar nossa viagem. Foi quando um outro estágiario, um senhor muito querido, chamado Cris, nos contou que perto de sua casa, na Inglaterra, tinha um cara que produzia maçãs e que, nessa época, contratava muitas pessoas para ir ajudar. Pelo que sabia, ele pagava 50 libras a caixa colhida. Disse que era possível colher até 6 caixas por dia.


Ficamos super empolgados, pois, naquela época, a libra em relação ao real estava 5 para 1. Pensamos que com um mês trabalhando lá estaríamos muito bem de dinheiro.
Poderíamos ir para a Grécia, que era um sonho nosso. Compraria um laptop que tanto queria. Parecia muito bom. Quando chegamos nessa fazenda, o clima não era tão amigável , como pensamos. Quando conhecemos o dono do lugar, tinha um cara da Tchecoslováquia e outra da Polônia, discutindo feio em sua frente e ele não parecia se importar. "Fuck you" e tudo mais estava rolando.


Bom, achamos tudo meio estranho, mas fazer o que. Perguntamos onde dormiríamos. Um dos caras foi nos mostrar o local. Era numa "Shed", um antigo estábulo e galinheiro, que eles tinham transformado em um quarto. Era tenso, os vidros quebrados, todo sujo, o colchão meio úmido. Pedimos vassouras, aspirador de pó e começamos a limpar o lugar para estar do melhor jeito possível.


Também nos avisaram que a refeição era por nossa conta. O supermercado mais perto era há mais de 5 km dali. Falaram que fariam compras naquela noite. Fomos junto. Com o que restava do nosso dinheiro, compramos arroz, batatas, alguns legumes, lentilha, umas frutas e pão. Foi o que deu para comprar naquele momento.
A primeira noite foi bizarra, mas pensamos que iríamos ganhar bem, e, talvez, valeria ter passado por todo esse perrengue.


Acordamos cedo. O combinado era que às 7:30 todos estivessem no pomar. Éramos em mais ou menos quinze pessoas. Todos estrangeiros. Para a grande maioria não era a primeira vez nesse lugar.


Nos deram uma sacola de pano. Devíamos colocar a alça da sacola no pescoço e deixá-la na parte da frente do corpo. Recebemos também um medidor de maçãs que ficava pendurado no pulso.
Precisávamos ver se a maçã não era muito pequena e se estava 25% vermelha, pelo menos.

Depois dessas verificações, colocávamos dentro da sacola. Quando enchesse a sacola, aí sim iríamos despejar na caixa. Quando vimos o tamanho da caixa, não acreditamos. Era muito grande, pesava 300 quilos quando cheia. Então, para enchê-la, precisávamos colher muitas maçãs. Na parte da manhã, eu e o Rafa conseguimos pegar 2 caixas juntos. Na tarde, mais duas.


Era puxado e desafiante colher as maçãs que estavam mais embaixo, com a sacola em frente ao corpo. Quando derramávamos as maçãs na caixa, elas praticamente sumiam ali dentro. No entanto, estávamos esperançosos que, no dia seguinte, conseguíssemos pegar mais rápido.

 

Porém, já estávamos pensando que, talvez quinze dias de serviço, já seria o suficiente. Ok! Não iríamos para a Grécia, mas poderíamos ir para outro lugar mais em conta.


No dia seguinte, demos um gás e colhemos 6 caixas. No terceiro dia 7, caixas. Ficamos empolgados, pois estávamos indo melhor, pegando super rápido. Chegávamos mortos à noite e ainda tínhamos que cozinhar, mas parecia que estava melhorando o nosso desempenho. Foi quando, no terceiro dia, o chefe nos chamou para conversar e foi muito grosso.


- What the fuck are you doing with my apples? Did you come over here from Brazil just to break my apples? You are crazy!?


Ele estava muito bravo, com razão, porque nós estávamos colhendo tão rápido, que começou a bater uma maçã na outra e deixar marca nelas. Era para colher elas como se fossem ovos, ele falou. Pedimos desculpas, pois realmente não fizemos por mal. Não tínhamos essa intenção. Embora ninguém tivesse nos avisado sobre esses cuidados, foi descuido nosso.


Esse cara gritava com um monte de gente, era bem estourado. O Rafa olhou para mim e disse:


-Cauê, não aguento mais, vamos embora amanhã?
-Não! Nós vamos embora hoje!


Quando voltamos para o nosso quarto, começamos a arrumar as nossas coisas. Em 5 minutos estava tudo pronto. Ligamos para o nosso amigo Cris para pedir ajuda. Quando ele atendeu, achava que estava tudo fluindo bem, mas disse a ele que estava tudo horrível. Disse que queríamos ir embora e se poderia nos ajudar.


Em trinta minutos ele estava lá. Colocamos nossas malas no carro, assim como o restante de comida que tínhamos e fomos conversar com o dono do lugar.


Começamos dizendo que nós infelizmente iríamos embora, pois voltaríamos para o Brasil. Ele não gostou nem um pouco. Falou indignado que não poderíamos ir, pois tínhamos combinado de ficar um mês. Assim sendo, só depois disso que poderíamos ir embora.


A coisa começou a ficar tensa. Eu comecei a ficar irritado. Ele disse que não entendia o por que de irmos embora. Foi quando falei que era por causa dele. Que falava com a gente como se fôssemos cachorros e que não aturaríamos mais isso. Que nós nunca tínhamos dormido em um lugar tão horrvel na vida e que iríamos embora sim.


Mesmo assim, disse que não poderíamos ir. Falamos que chamaríamos a polícia se fosse necessário e que iríamos embora naquele momento.


Então, falou que tudo bem, que voltássemos no dia seguinte que ele nos pagaria. Mas com aquele clima tenso que estava, e não sei porque, tínhamos na cabeça que ele poderia ter uma arma em casa. Assim, ficamos receosos em voltar e talvez a situação complicar mais. Assim, fomos embora para a casa do Cris sem receber nada.


O Cris nos ajudou e voltamos para a fazenda do País de Gales. Remarcamos a nossa passagem para o Brasil. Usamos o cartão de crédito do Rafa para isso.
Ficamos apreensivos, pois a nossa companhia aérea estava mostrando que talvez falisse e iríamos perder nossa passagem. 

Finalmente, conseguimos voltar e assim terminou nossa viagem de 10 meses pela Europa.

 

Tive muitos aprendizados nessa história. Um deles foi o despertar em mim da clareza de não ficar suportando uma situação que não está favorável. Muitas vezes, é preciso coragem e clareza para sair no meio de um filme de cinema, de uma peça de teatro, de um relacionamento, de um serviço que não favorece a vida.

Agradeço a essa experiência e às aventuras da viagem à Europa junto ao meu amigo Rafael.

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